sexta-feira, 2 de julho de 2010

OS BICHOS ESTÃO "SOLTOS"?

Comentário sobre Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de junho de 2010 e em pauta no Canal Contemporâneo  http://ht.ly/24ib9


Por favor, não sejamos hipócritas!!! Por que o herdeiro não pode ganhar dinheiro com o fruto do trabalho de seu antecessor e a instituição pode? Todos nós sabemos que a arte movimenta um mercado milionário e que as instituições, mesmo que se digam sem fins lucrativos, movimentam sim milhões, exploram os artistas em vida e querem enriquecer com o trabalho alheio após sua partida (muitos que morreram na pobreza, mesmo consagrados, não me deixam mentir). É de se pensar que a (o) artista preferiria que um parente seu ficasse na gerência de seu acervo (eu preferiria) a essas sanguessugas que reduzem e fazem da arte um supermercado. Isso me parece mais olho gordo, os familiares não podem tratar a obra de arte de seu antecessor como propriedade privada, mas, as instituições podem?
 Nesses momentos lembram da vontade do (a) artista de tornar seu trabalho acessível, mas, na hora de expor uma obra interativa impedem a participação do público? Como fazem com os Bichos de L.C e/ou os bólides e parangolés de H.O. "Mas, isso é a preocupação de preservar para tornar acessível a gerações futuras",mas onde fica o respeito a proposta do(a) artista? A intenção de preservar para gerações futuras é autêntica ou a intenção de preservar é para manter em bom estado um objeto que vale milhares ou milhões para uma futura negociação?
 "Mas é preciso dinheiro para manter e expor essas obras". Concordo, e por que seria diferente com os herdeiros? As instituições diminuem a obra de arte a um objeto, então não vejo justificativa em se colocar a favor dessa ou daquela e contra os herdeiros por fazerem o mesmo.
 Só para deixar mais claro, deixarei um exemplo: a proposta de NÃO-OBJETOS nos Bichos de L.C deixa claro que o importante é a experiência vivida pelo interator no contato com a obra e não o objeto. O objeto foi criado com a consciência e o intuito de proporcionar a experiência, um vivo contato e findar COMO OBJETO, mas, se estender como vivência por gerações - uma vez que réplicas também podem proporcionar experiências. Se a proposta da artista tivesse sido respeitada nem estaríamos tendo essa repercussão polêmica.
 Repito! Não sejamos hipócritas!!!
 Não me venha falar de acesso, de patrimônio de todos em defesa dessa ou daquela fundação e contra esse ou aquele herdeiro, se todos jogam o mesmo jogo, se todos só pensam em NÚMERO$$$$.
 A arte deve ser para todos e a arte é, por si só, acessível a todos. Mas, certos segmentos e produções artísticas estão reféns de uma elite opressora, que a vê como objeto de reafirmação de status.
 Diante de toda essa baboseira, só tenho a dizer...


... SOLTE O REFÉM!!! rs

Discussão em pauta no Canal Contemporâneo http://ht.ly/24ib9

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Resposta a Fábio Tremonte

Por Anderson Benelli


Oi Fábio tudo bem? Trabalhos legais no seu blog, parabéns. Obrigado por comentar sobre meu artigo Museu não é céu e curadores não são deuses e seja sempre bem vindo. 


 Mas, você não acha que expor uma obra de arte de maneira que anule sua proposta (ou parte de sua proposta) não faz dessa obra um objeto de não-arte? Ao que me parece, o sistema da arte está muito interessado em comercializar o objeto artístico, (por isso a tal restrição e o intuito de preservar), mas pouco interessado em preservar a proposta do artista e o valor que faz daquele objeto uma obra de arte. Galerias são apenas lojas e galeristas apenas comerciantes não deveriam ter o poder de interfirir na proposta de uma obra (se foi isso que aconteceu). Uma pessoa que se submete a isso não põe em xeque a autenticidade do artista e de todo o jogo artístico? E se essa limitação foi proposta ao Pedrosa, ele como curador deveria simplesmente não expor a obra.
Arte não se resume a comércio e marketing, apesar de parecer que é assim que “pensam” os “pensadores” da contemporaneidade.
E depois, você não acha que é muita pretensão limitar a interação de uma obra interativa ao curador? E os visitantes ficam excluídos? Isso é típico de um pensamento elitista excludente não acha?
Já me estendi demais, vou ficar por aqui. Desculpe a demora pra reponder, abraço.



18 de abril de 2010 17:46

domingo, 25 de abril de 2010

Arte popular: RECONHECIMENTO OU SAQUE CULTURAL?!?

Por Anderson Benelli – (reflexão sobre artigo da Folha de SP)

 Esta classificação da arte como erudita (de elite) ou popular (do povo) é ridícula e preconceituosa, é arte e ponto.

 Mas, olho sempre com desconfiança pra esse "reconhecimento" da arte classificada como popular, que já era para ter ocorrido há muito tempo atrás. Ao meu ver, em vez de reconhecer a arte dita popular eles costumam se apropriar dessa passando a classificá-la de erudita, como fizeram com Leonilson ou com o jazz, por exemplo, tirando-a do povo. Como se o fato de ser popular, portanto, uma manifestação que vem do povo para o povo, a caracterizasse como uma arte (manifesto do intelecto humano), desqualificada, por não pertencer a uma elite opressora. Como se uma manifestação artística que vem do povo não fosse manifestação intelectual. Novidade: apesar da elite olhar o povo como coisa e fazer com que este se veja como tal tecendo uma teia de alienação e manipulação que cega e impede a maioria da população de pensar, portanto de ser humano, ainda existe a resistência, pensando, criando, criticando, fazendo ARTE e lutando por sua humanidade.      
 Esse “reconhecimento” me parece mais com invasão e saque cultural. E se esse "reconhecimento" for pra tirar o que nasceu do povo para o povo e restringir a uma elíte opressora, fazendo desta arte um objeto de reafirmação de um status elítista, por favor, deixe que esta continue marginal.





A pergunta que fica no ar: RECONHECIMENTO OU SAQUE CULTURAL?!? 



                
                                         Leonilson

Imagens:
1 - Bispo do Rosário com seu Manto da Apresentação
2 - Autor desconhecido


UM SALVE A ARTE DO POVO, UM SALVE A ARTE DE TODOS.

Discussão no canal contemporâneo

sexta-feira, 16 de abril de 2010

RUA OU MORTE!?!



"Se o pixo é exposto numa galeria ou numa Bienal, permanece sendo arte?"
Não!!! 


Ao meu ver, quando uma manifestação artística urbana e marginal que nasceu da rua, e pra rua, como forma de protesto, como o graffiti e a pixação, se deslocam e passam a ser expostas em instituições elas perdem a essência que faz delas arte. Ou seja, perde o conceito do protesto, a postura política, o pertencimento a rua. Como o nome street art já diz graffiti e pixação são artes de rua que perdem seu valor artístico se deslocadas do contexto onde nasceram e para qual nasceram. O graffiti e a pixação invadem, tomam o espaço urbano intervindo na estética da cidade e causando reflexões (a favor ou contra e outras inúmeras). Essas manifestações domesticadas dentro de uma instituição e fora de seu contexto não passam de pintura morta (Graffiti) e de design de caligrafia (pixação). 
Não sou contra o artista ganhar dinheiro enquanto joga com sua arte, mas matá-la para ganhar dinheiro é no mínimo questionável. 

O "artista" não estará transformando o jogo em trabalho? Portanto, se desvalorizando como artista?
Um artista de rua lutar (como o discurso - ao que parece agora mera publicidade - dos pixadores que invadiram a Bienal) por reconhecimento de sua arte pelo sistema artístico é uma contradição, é lutar contra a contravenção de sua arte, é suicidar-se como artista contraventor.

Resumindo: Ao meu ver nem existe motivo para essa discussão, arte de rua só é arte na rua. E não deve ser apresentada como arte de rua dentro de uma instituição, chame do que quiser mas não de graffiti e pixação porque isso já não são mais. Mas isso não impede que artistas de rua apresentem outros jogos artísticos em instituições, desde de que, não sejam rotulados como street art. Afinal, o artista contemporâneo tem liberdade de jogar com diferentes e quantos meios quiser, então vamos nos valer disso.
 Mais uma vez o sistema artístico está querendo reduzir manifestações artísticas a mera publicidade e mercantilismo.

 RUA OU MORTE!?!




terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A articulação de redes como estratégia para promover o desenvolvimento social


 Na última década cresceu, considerávelmente, o número de coletivos e ONGs voltados a produção cultural na zona sul da cidade de São Paulo. Com o objetivo de incluir socioculturalmente a periferia e seus cidadãos esses grupos promovem oficinas socioeducacionais e eventos (shows, exposições, workshops, etc.). As atividades desenvolvidas por esses coletivos e ONGs são de grande importância, pois com suas oficinas e eventos culturais, eles preenchem algumas das grandes lacunas deixadas pela escola e principalmente por  um estado ausente. Esses grupos, com suas propostas e metodologias diferenciadas, envolvem crianças, adolescentes e comunidades em suas atividades socioeducativas e culturais denunciando o descaso do estado com as periferias e sua população, instigando a reflexão, a busca por igualdade e soluções para os problemas do dia-a-dia das periferias e, consequentemente, a busca por conquistas de melhorias para essas comunidades e seus habitantes.
 As atividades oferecidas por esses coletivos e ONGs, além de incluir socialmente, levar e despertar essas comunidades para a cultura erudita, popular e principalmente para a sua cultura local incentivando-a e difundindo-a, formam e incentivam profissionais para atuarem individualmente (como artesãos, artistas, educadores, arte/educadores, etc.) e/ou em grupos favorecendo o surgimento de novos coletivos. O que acaba gerando e aquecendo uma economia “informal” local fundamentada na educação, na produção artística e cultural, promovendo, com isso, o desenvolvimento da região.
 Mas, com esse importante crescimento do número de coletivos e ONGs, que atuam em áreas onde o estado esta ausente, surge uma questão: porque tantos pequenos grupos lutando (separados) por uma mesma causa (ou causas muito semelhantes) não atuam juntos? A falta de uma Rede social colaborativa bem organizada parece ser a maior causa desse problema. Apesar de alguns desses grupos já fazerem parte de uma Rede social colaborativa, a maior parte ainda atua “desconectado” deixando uma impressão de não darem a devida importância a uma rede colaborativa entre os coletivos, de desorganização e da existência de concorrência entre os mesmos.
 Cada coletivo e/ou ONG em atividade agrega grande valor à luta contra desigualdade e exclusão social, mas “desconectado” de uma rede colaborativa possui pouca força perante o estado e seus opressores.
 Com todos esses coletivos e ONGs “conectados” em uma Rede social bem organizada o poder de reivindicação perante o estado seria muito maior, além disso, atrairia e facilitaria a consolidação de novas parcerias, sejam elas privadas, estatais e/ou não-governamentais.
 Um pequeno coletivo “desconectado” de uma Rede atua em uma pequena área e geralmente não consegue atender nem mesmo as necessidades de um pequeno bairro. Mas, fazendo parte de uma Rede social colaborativa esses grupos atuariam e alcançariam uma área e um público muito maior, expandindo seu desenvolvimento (que seria centralizado em um pequeno local e atenderia um pequeno público) a várias comunidades, elevando o número de beneficiados e fortalecendo as causas por quais lutam. Além disso, uma Rede social colaborativa bem organizada e em fluxo constante, ou seja, sempre agregando novos coletivos e ONGs e se “conectando” à outras Redes sociais, rapidamente se expandiria pela cidade, pelo estado, pelo país fortalecendo o alicerce para o desenvolvimento de uma “economia solidária”.

P.S.
 Aproveito para lembrar alguns oportunistas que estão a frente ou atuando em certas “ONGs” e “coletivos socioculturais” que toda e qualquer verba levantada e/ou destinada ao incentivo de tais ações, são para usufruto e aplicação na construção da mudança em busca de uma igualdade social, não para enriquecimento ilícito de alguns. Então peço aos fakes que gentilmente se retirem e deixem quem realmente quer lutar em pró da construção da igualdade social trabalhar.


quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Fluxos em conflito


Equipe de pesquisa: Anderson Benelli; Cleiton Barros de Oliveiva; Priscila Chiemi Massuda



Introdução

O objetivo deste trabalho é resgatar as memórias sociais e culturais da cidade de São Paulo e gerar uma reflexão sobre como se deu o desenvolvimento urbano do centro da cidade de São Paulo, concentrando as pesquisas no Viaduto do Chá e tendo em segundo plano a urbanização do Vale do Anhangabaú.


Pretende-se, a partir desse resgate da memória da região, analisar e refletir sobre o crescimento do fluxo cultural e o quase-desaparecimento do fluxo natural da cidade.


Uma das principais referências para alcançar os objetivos acima foi o livro Anhangabaú de Benetido Lima de Toledo. Neste livro, Toledo faz um resgate histórico do local apontando figuras que tiveram importante participação na ocupação e desenvolvimento da região. Os tropeiros e jesuítas são apontados como os grandes contribuintes nos primórdios da ocupação da cidade, por exemplo. Toledo aponta também, a importante participação da sociedade na construção do Viaduto do Chá. O livro Anhangabaú do autor praticamente se resume a um resgate dos acontecimentos e da sociedade da época, parecendo não ter grande pretensão de reflexão crítica sobre os mesmos. Mas, ao mesmo tempo, com clareza e abertura suficientes para que outros façam sua própria leitura e interpretação dos acontecimentos.




1. Fluxos: De aldeia a cidade

Desde o início da colonização a aldeia indígena que se localizava onde hoje se situa a cidade de São Paulo, já demonstrava “pré-requisitos” geográficos para seu desenvolvimento urbano devido o fluxo natural de seus rios, os quais facilitavam o deslocamento dos colonizadores. Além disso, as trilhas indígenas da região se comunicavam com o interior do país facilitando a ocupação e a exploração das riquezas da “nova terra”. Provavelmente a adição destes fatores foram determinantes para despertar o interesse dos colonizadores pela região.


A província São Paulo rapidamente tornou-se uma espécie de cidade-armazém onde era recebido e distribuído todo tipo de mercadoria. Os grandes responsáveis pelo transporte dessas mercadorias eram os tropeiros, que com suas mulas atravessavam grande extensão de terras.


“Poderíamos dizer que a cidade sobreviveu e se expandiu graças a essa figura fundamental em nossa história: o tropeiro.


A tropa se caracteriza como animal em movimento. Aluíso de Almeida, que estudou profundamente o assunto, registrou o caso de um tropeiro que indagado onde morava respondeu, “no caminho do continente do sul”. Seu domicílio era um caminho que percorria sem cessar”. (TOLEDO, 1989, p. 2).


Nossa pesquisa nos leva a acreditar que os tropeiros também se valiam da praticidade de locomoção dos rios e seus fluxos naturais para o transporte de mantimentos de uma parte a outra da cidade, e até de uma cidade a outra, como das regiões litorâneas à região central de São Paulo, por exemplo. O curioso é como os urbanistas mantiveram a função de distribuição de fluxo e carga dos rios da cidade como os Pinheiros e Tiête, por exemplo, seguindo o trajeto destes através das marginais (em alguns casos os próprios rios foram cobertos e transformados em vias).


Nós acreditamos ser de fundamental importância os fluxos fluviais para a ocupação e desenvolvimento do centro urbano. Os rios como vias naturais de locomoção evitavam o trabalho mais árduo de peregrinação por terra, facilitando a ocupação e o transporte de mercadorias que entravam e saiam da cidade. Todo este fluxo de pessoas e mercadorias, desde os primórdios da cidade de São Paulo, fez da cidade um grande centro urbano comercial.


2 O Viaduto do Chá: um novo fluxo em direção a metrópole

Apesar da contribuição fundamental dos rios para a ocupação e desenvolvimento da cidade, algum destes passaram a ser vistos como estorvos para o desenvolvimento urbano da cidade, fazendo com que, alguns rios fossem canalizados e transformados em vias, aproveitando sua geografia e mantendo sua antiga função de viabilização do fluxo. Entre estes rios, estava o Rio Anhangabaú, que corria no meio do vale de mesmo nome, vale este que dividia a cidade causando transtorno por entravar o fluxo da população entre os dois centros (centro velho, região da Praça da Sé, e centro novo, região da atual Praça da República). Ou seja, os fluxos naturais dos rios foram apropriados e modificados para atender a crescente demanda de fluxo cultural. O Viaduto do Chá também nasceu deste conflito entre fluxo cultural e fluxo natural. O fluxo natural do Rio Anhangabaú visto como


um obstáculo foi sobreposto pelos fluxos culturais do viaduto e do vale urbanizado. Os fatos nos levam a acreditar que a necessidade de uma nova passagem que suportasse os bondes e o novo fluxo da região central demonstrava-se imprescindível diante do rápido desenvolvimento urbano da cidade. Surge então o projeto de Jules Matin com a proposta de um viaduto de estrutura metálica sobre o Vale do Anhangabaú ligando os dois lados, assim, cresce a pressão da imprensa e da sociedade para que a execução do projeto aconteça. Foi inaugurado no dia, 6 de novembro de 1892, o primeiro viaduto da cidade de São Paulo batizado de Viaduto do Chá, que viria a ser conhecido também como viaduto de três vinténs devido ao pedágio que lá existia.


A construção do Viaduto do Chá foi uma das mais importantes obras urbanísticas da cidade de São Paulo, unificando o centro velho ao centro novo o desenvolvimento urbano da cidade acelera ainda mais. Ao nosso entender, o viaduto não ligou só o centro velho ao novo, mas o passado da cidade que atravessava pelo presente em direção ao futuro.



2.1 Um novo Viaduto do Chá

Em 1934, foi aprovado por concurso público o projeto do Eliziário Bahiana para a construção do novo Viaduto do Chá.

Durante as obras do novo viaduto os dois coexistiram (antigo e novo ou passado e futuro). O novo Viaduto do Chá, em estilo Art déco foi inaugurado no dia, 18 de abril de 1938.
 O velho viaduto já estava bem degradado e já não suportava a crescente demanda de fluxo da população (e de automóveis) de uma cidade industrial. Além disso, o centro urbano passou por modificações, fazendo com que esta terceira intervenção urbana (a segunda intervenção no viaduto foi em 1902, devido o intenso fluxo de bondes de tração animal houve grande desgaste do tabuleiro de madeira e a primeira reforma do Viaduto foi necessária para a introdução dos trilhos dos bondes elétricos, permanecendo somente as calçadas de madeira) apresentasse uma preocupação estética de colocar o novo Viaduto do Chá em “harmonia” com o restante da arquitetura local, e de forma simétrica entre a praça do Patriarca e a praça do Teatro Municipal. Esta preocupação com a “harmonia estética” demonstra-se bem diferente das intenções da primeira intervenção, que foi em necessidade de atender um fluxo maior de trânsito entre o centro velho e centro novo, apresentando uma preocupação mais funcional.


3 Rio Anhangabaú: O fluxo do malefício e a persistência da memória


Os índios Tupis que habitavam a região temiam o rio, pois aqueles ousavam desafiar o fluxo de suas águas em alguma travessia adoeciam, e foi essa a origem do nome “Anhangabaú”, também conhecido como canal das almas. Os índios habitavam as suas margens e acreditavam que o rio era domínio de maus espíritos. “Anhangaba” do Tupi quer dizer diabrura, malefício, ação do diabo ou feitiço. “Anhangabahy”, no tupi é o mesmo que anhangá-y, rio ou água do mal espírito”.
A região foi transformada em vila e depois cidade e o rio continuava causando transtornos, quando chovia o rio transbordava e as pessoas prosseguiam adoecendo e até morrendo por causa de suas águas insalubres (continham minerais e gases tóxicos).
O Rio Anhangabaú foi canalizado na tentativa de sufocar o seu fluxo natural e os problemas que o acompanhavam, dando espaço a um novo fluxo cultural. Mas, o “Canal das almas” não havia se calado e continuava roubando vidas, o que se evidenciou no passado em alguns suicidas que pulavam do Viaduto do Chá.
Hoje, poucos cidadãos da cidade estão a par da existência de um rio debaixo do Vale do Anhangabaú. Mas, nós temos a impressão que o mal responsável pela origem do nome do rio, ainda está lá, se apresentando de forma diferente. Os moradores de rua perambulam como “almas penadas” a região central. Quando chove, as enchentes no túnel Anhangabaú interrompem o fluxo de carros, é como se o rio insurgisse do submerso trazendo de volta o passado. Como se o espírito do rio ao qual os índios se referiam transcendesse todos os obstáculos de sua prisão para materializar-se na superfície, desencadeando uma série de males para manter viva sua memória em uma luta pela retomada de seu espaço. Este conflito de existência entre fluxo natural e fluxo cultural esta constantemente presente por toda cidade de São Paulo.



4 Considerações Finais 

Os fluxos naturais dos rios tiveram uma contribuição crucial na ocupação e no desenvolvimento da cidade. Mas, a falta de um planejamento de urbanização adequado, fez com que os fluxos culturais surgissem invadindo o espaço dos fluxos naturais, diminuindo em muito o número de rios da cidade de São Paulo. Os rios e seus fluxos naturais eram cobertos e “desconstruídos” para a construção de novos fluxos culturais a partir de seu espaço geográfico.


As ocupações e intervenções feitas de forma inadequada no ambiente natural deram origem a um conflito entre natureza e concreto. As pavimentações e modificações nos fluxos naturais dos rios e a falta de planejamento adequado para o escoamento das águas das chuvas acaba causando enchentes. Estas enchentes evidenciam os conflitos constantes entre a existência simultânea de fluxos naturais e culturais, causando grandes transtornos e perdas (trânsito causado pelo fluxo “natural” e calamidades públicas como a que tivemos no sul recentemente) não só no centro e na cidade de São Paulo, mas em várias das grandes cidades do país.





Referências Bibliográficas 

BRUNO, Ernani Silva. Burgo de Estudantes (1828-1872), São Paulo: Editora Hucitec, Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1984. (História e Tradições da cidade de São Paulo Vol. II).


BRUNO, Ernani Silva. Metrópole do Café (1872-1918) e São Paulo Agora (1919-1954), São Paulo: Editora Hucitec, Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1984. (História e Tradições da cidade de São Paulo Vol. III).


CAMPOS, Candido Malta. Construção e Desconstrução do Centro Paulistano. Cidades/Artigos, Cienc. Cult. vol.56 no.2 São Paulo Apr./June 2004, p. 33 – 37, s/d. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252004000200018&script=sci_arttext. Acesso em: 18 set. 2009


SIMÕES JÚNIOR, José Geraldo, Anhangabaú: história e urbanismo, São Paulo: Editora Senac, 2004.


TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú, São Paulo: FIESP, 1989.


TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século, São Paulo: Duas Cidades, 1981.



Referências Iconográficas



TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabahú, São Paulo: FIESP, 1989.