Por Anderson
Benelli
Eu não pretendo falar por nenhum grupo ou coletivo, apesar de acreditar
que muitos possam se identificar com o que vou manifestar, seria muita
petulância e arrogância me colocar como a voz que representa uma coletividade
tão diversa. Então, não me coloco aqui como representante de uma coletividade,
mas como parte, uma pequena parte, um grão dessa coletividade.
Nós da
periferia somos muito ricos em cultura. Apesar do descaso constante do estado.
Aqui nas periferias (se vocês ainda não sabem, mas sabem e se valem do uso
disso), nós fazemos cultura diversificada, de todos os gêneros com qualidade e
profissionalismo e queremos ver também os nossos e as nossas artistas nos
palcos reconhecidos e bem remunerados.
É ótimo receber todas as atrações culturais possíveis. Porém, não
queremos só receber de forma bancária atrações culturais escolhidas por outrem
- O que leva a questão: quem faz e como se faz a curadoria desses artistas? Nós
queremos ver nossos artistas, atores/produtores culturais nos palcos sendo
contratados, remunerados, reconhecidos e tratados com o respeito merecido. Pois
a periferia tem uma produção cultural diversificada, valorosa e muito rica
construída na resistência, fazendo uma cena cultural efervescente onde as
instituições estatais falharam e falham repetidamente em fazer.
Então, seria
muito bom um pouco de reconhecimento profissional aos nossos atores culturais.
Repetindo, é ótimo receber nomes consagrados da cultura brasileira.
Mas não basta só jogar as atrações lá, tem que divulgar e difundir para que a
população saiba que haverá tal show em determinado lugar e possa realmente
acessar e usufruir disso. Já que o dinheiro dos seus impostos está pagando o
cachê dos artistas e tudo mais. Não adianta pagar cachês, merecidamente ou não,
absurdos e o artista se apresentar só para os funcionários do espaço porque a
população daquela comunidade nem ficou sabendo que teria algo, como
repetidamente acontece.
Além disso,
que tal quando um desses artistas já reconhecidos e com carreira consolidada
for contratado pra fazer um show na periferia X da cidade de São Paulo, em
contrapartida contratarem e fomentarem artistas locais como abertura?
Afinal, são
esses artistas locais que mantém uma cena cultural rica durante todo o resto do
ano, e quase sempre não são remunerados por isso. Ou esses mesmos artistas
servem para subir no palco sendo explorados todo o ano, mas não servem para
subir no mesmo palco sendo remunerado? Enquanto, de vez em nunca, aparece um
artista consagrado pra fazer show e muito bem remunerado.
Não era pra ser papel do estado equilibrar a balança? Intervir para
garantir igualdade de oportunidades? Eu sei é esperar muito que o estado
cumpra, o que deveria ser, o seu papel. É esperar muito de uma instituição
burguesa e seus políticos com campanhas patrocinadas por empresas de iniciativa
privada com acordos e cargos de confiança como moeda de troca em contrapartida.
E não venha
me dizer que os pouquíssimos editais preenchem essa lacuna, porque não
preenchem. Os míseros editais não garantem um real reconhecimento e remuneração
pelos trabalhos culturais prestados por nossos artistas e produtores culturais,
no máximo uma pequena, muito pequena mesmo, ajuda de custo. Muito menos
processos de licitações feitos pela internet.
Muitos dos
nossos artistas e produtores locais e seus trabalhos são tão enriquecedores,
culturalmente falando, quanto qualquer outro nome aclamado da cultura do nosso
país. São tão profissionais quanto. Porém, as instituições estatais, onde elas
falham ou não querem atender, se valem das ações culturais dos agentes
culturais locais para preencher essa lacuna - pois o acesso e estimulo a
cultura é um direito humano que é dever do estado - mas não reconhecem e quase
nunca os tratam como profissionais trabalhadores da cultura os remunerando por
isso. A união, estados e municípios fazem dessa prática mais um tipo de
exploração se beneficiando com tais ações por essas fazerem o papel que deveria
ser do estado.
É revoltante
ver as instituições estatais alimentando a gulosa, ambiciosa e bilionária
indústria cultural pragmática. Enquanto os/as artistas e produtores
culturais das periferias, que não contam com uma gulosa e ambiciosa indústria
cultural por trás, mas mantêm culturalmente esses espaços institucionais o ano inteiro, ano após ano com trabalhos de excelência (estando
ou não dentro de seus prédios). Mas continuam menosprezados e explorados por
essas instituições e seus sistemas burocráticos criados para os deixarem de
fora na hora de repartir o bolo.
Por isso, seria uma felicidade eufórica, se nós moradores da periferia pudéssemos ver nos
palcos de nossas cidades, nas periferias e no centro, tratados com respeito,
remunerados e reconhecidos como profissionais competentes da cultura que são,
os nossos e as nossas artistas de todos e mais variados gêneros
e segmentos possíveis. Ao invés, de
só recebermos de forma bancária esses artistas de renome reconhecidos, por
merecimento ou não, nacionalmente e até internacionalmente, como uma forma de
engorda financeira de empresas da iniciativa privada e contrapartida de apoio
político partidário.
Para
finalizar esse desabafo manifesto repito:
Aqui nas periferias (se vocês ainda não sabem, mas sabem e se valem do uso
disso), nós fazemos cultura diversificada, de todos os gêneros com qualidade e
profissionalismo. E queremos ver também, por obséquio, os nossos e as nossas
artistas nos palcos sendo fomentados, reconhecidos e bem remunerados.